Transporte público II.

- metrô -

Quando sentei ela não estava chorando. Entrei e sentei na sua frente. O metrô tem dessas coisas. Ficar encarando um completo desconhecido. Desconhecida, neste caso. Era morena, estava de preto. Nota quatro, se me perguntassem.

Quando sentei ela não estava sorrindo. Normal. Como todos naquele vagão. O senhor idoso do lado dela. O negro forte do meu. O estudante de grandes fones. A loira mascando chicletes.

Então, primeira lágrima. Escorreu até a metade do rosto. Limpou. Esfregou os olhos. Suspirou. Tentou segurar as outras. Inútil. Transbordaram. Não era uma tempestade. Estava mais para garoa. Uma insistente garoa, que cai o dia todo. Foram caindo uma a uma. Algumas molharam a blusa. Outras ela conseguiu impedir.

Ficou vermelha. Olhou para os lados. Será que alguém percebeu? O senhor idoso não. A loira do chiclete não. O forte negro não. Eu sim. Sem graça. Encarando. Sorri. Continuei olhando. Ela deu um leve sorriso de volta. Tornou a chorar. Não se importou comigo.

O senhor do lado dela se levantou. Aquele lugar vazio me incomodou. Devia me sentar ali? E consolá-la? Me sentia mais seguro como observador. A porta abriu, pessoas entram e saem. Os lugares vagos foram preenchidos. Menos um. Como uma provocação, continuou desocupado. Não fui.

Me senti covarde. Como todos que não quiseram se sentar naquele assento vazio. Ela estava num espaço público, mas o choro era particular. Se alguém fosse lá abraçá-la, estaria invadindo. Ela não ia gostar. Ou talvez fosse exatamente o que ela precisava.

Minha estação chegou. Levantei e desci. Subi as escadas. Rumo a saída. Tenho certeza de que vou sonhar hoje. Sonhar que sentei ali e escutei todas as palavras dela.